segunda-feira, 25 de maio de 2015

Função Social

Dogg tocou um ponto nevrálgico naquela sua última microoperação resgate”: a função social dos quadrinhos digitalizados, os scans. Expatriando dos Escapistas discussões mais filosóficas, sociológicas ou mercadológicas, por sinal, tópicos esses já efusiva e exaustivamente debatidos em várias outras bodegas virtuais, o fato é que, tal como o dono do BZ, quando o leitor redescobre um material que julgava perdido nos confins da memória, e casa que esse título estava até então inacessível tanto físico quanto virtualmente, a breve “folheada” naquele scan parece defraudar mais infos sigilosas que o Juiz Sérgio Mouro seria capaz numa eventual 444ª fase da Operação Lava Jato

Enfim, duas confissões: 

(1) Tenho um enorme apreço pelas minhas lembranças, tão valorizadas por mim que chego ao ponto de sequer desejar reler ou rever aquele quadrinho e filme que me foi – e é! – tão caro. Traduzindo, sim, eu compro e recompro litros e mais litros de colírios para os meus olhos, mas prefiro enfrentar uma cirurgia de catarata a ter que usá-los – ou relê-los. Isto é, a magia ficou ali, em algum ponto da década de 1980, naquelas Superaventuras Marvel. O mesmo argumento serve para o Quarteto Fantástico de John Byrne. Isso é tão sério que, acredite se quiser, tenho os quatro volumes dos Maiores Clássicos pela Panini, todos com seus respectivos invólucros inviolados. Sei que o dia em que romperei aqueles plásticos vai chegar, mas gosto de pensar que ainda tenho uns bons anos de lucidez pela frente – sobriedade¹, jamais! 

¹ A propósito, Dogg, dia desses comprei duas caixas de litrão da Sul Americana em promoção numa megastore recifense, e devo dizer: que cerveja, meu amigo! 

(2) Os anos me fizeram dar um passo atrás quanto a fúria retroativa que a minha geração – dos trinta e poucos? – passou a sentir, após o advento dos scans, pela “foice” do SérgioFigaFigueiredo nos anos dourados do formatinho da Abril Jovem. Na verdade, hoje em dia, eu teria o maior prazer de emborcar algumas Sul Americanas com o famigerado ex-editor-chefe da linha de super-heróis do Seu Civita. Meu papo etílico-retro-imaginário começaria trazendo à tona uma coleção que, já naquele tempo, sabia de seus cortes, mas as julgava de excelente qualidade. Falo das irrepreensíveis Marvel Saga e Marvel Especial, espécimes de “proto-encadernados” das versões ostentação que os reles mortais do século XXI refestelam-se no cotidiano tão fartamente, mas outrora tão raros e bem-vindos pela plebe do século XX. 
 Dentre eles, alguns ainda seguem intactos no meu acervo como legados para minha prole indigna, em especial (?)
 - Marvel Saga #2: O Julgamento de Reed Richards e Galactus → Provavelmente minha história favorita do Quarteto Fantástico. E detalhe: não credito o pináculo da engenharia de cortes ao nobre Figa, mas ao próprio John Byrne, o responsável pela edição em comento, que teve a façanha de transformar nove edições esparsas em um único livro com início, meio e fim. Por outro lado, mesmo estando a coisa toda já “cortada” na própria fonte, a foice do Figa tinha vida própria. Bom, curiosidades à parte, foi também nessa MS#2 a primeira vez que experimentei esse lance que anos mais tarde descobri que se chama “metalinguagem”. 
 - Marvel Saga #3: A Saga de Proteus e #5: A Caçada a Wolverine e a Morte do Guardião → Em MS#3, após ser submetida a uma bateria de exames pela Dra. Moira MacTaggert na Ilha Muir, Jean Grey - a então, hospedeira da Força Fênix - recebe uma visita dos X-Men que acaba se tornando uma das mais árduas missões dos pupilos de Charles Xavier: lidar com Proteus, um mutante ômega capaz de manipular a realidade e que era, na verdade, o próprio filho da médica escocesa. Resoluta, MacTaggert sabe que o filho está além de qualquer redenção ou contenção e só a morte poderia salvar Edimburgo do massacre certo. Ato contínuo, em MS#5, uma curiosidade: para os neófitos, a chamada da capa entregaria um dos finais mais ingratos e dramáticos já concebidos nos quadrinhos marvetes, o destino final de James Macdonald Hudson, o Guardião
 - Marvel Especial #9: Capitão América e os Maiores Confrontos com a Hidra → Essa compilação não reunia apenas os principais entreveros entre Steve e os terroristas do Barão Von Strucker nas décadas de 1960-1970, mas também a nata das equipes criativas do período, lendas como Stan Lee, Jim Steranko, Gary Friedrich, John Romita, Gil Kane ou Sal Buscema. Só a icônica página reproduzida acima falaria por si só, mas Steranko não é um hors concours de uma imagem só e conta ao seu favor outros quadros inebriantes como aquela origem secreta da Víbora, também reproduzida na edição. 
 Contudo, em outubro de 1986, eu tinha apenas cinco anos de idade e apenas engatinhava no abecedário e, lembro-me bem, que possuí essa Marvel Especial #1: Homem-Aranha vs. Duende Verde. Infelizmente, ela não sobreviveu a minha infância, mas as lembranças, sim. O que me faz voltar a ora comentada função social dos scans, na qual um quadrinho digitalizado pode importar para um velho leitor o acesso a memórias que julgava perdidas e resgatadas psiquicamente graças ao desprendimento de um bucaneiro benfeitor. No meu caso, o interesse da edição em comento surgiu quando vi na estante de uma loja de colecionáveis... 
 ...e momento$ depoi$ a vi na minha própria estante: 
 Materializar a presente imagem – Amazing Spider-Man #39 – no seio do lar me reporta um tempo em que uma mãe solteira fazia o diabo para colocar comida no meu prato e, no final do dia, ainda reservava alguns poucos instantes lendo livrinhos de contos de fadas antes que o filho dormisse. Para todos os efeitos, Marvel Especial #1 pode ter sido o primeiro quadrinho de uma criança, e sequer lido por ela, mas sim - após muita insistência do garoto - em fragmentos por uma mãe. 

Fragmentos esses que, mesmo depois de três décadas, ainda soam chocantes: o arquiinimigo desvelando a identidade secreta do super-herói

É isso... Orgulho Nerd é inato! Feliz dia do nosso dia!

7 comentários:

Do Vale disse...

E a mágica pra fazer caber o texto original nos balões dos formatinhos? Uma vez comparei o encadernado de Capitão América: Operação Renascimento com as histórias em Marvel 98 e olha, que show de adaptação.

Mudando de assunto: E ESSE HOMEM-ANIMAL DO MORRISON EM PRÉ-VENDA? http://ovicio.com.br/confira-os-lancamentos-de-junho-julho-das-editoras-jbc-e-panini/

doggma disse...

Caramba... não vejo resgate dessas pérolas desde os scans gigantescos* que o Alcofa fazia de Marvel Saga e DC Millennium.

* grandes só no tamanho do arquivo, a resolução era aquela coisinha típica da época mesmo. O cara não sabia mexer no photoshop e acabava com a conexão discada da galera! rs

Sobre o Quarteto fase Byrne, não tema! Já li o run duas vezes nas MC e permanece um quadrinho de primeira. Pena que não completaram a fase, então sempre termino a leitura pelos formatinhos do Aranha. É como sair de uma boa rodovia privatizada direto pra uma estrada de chão. Tsc.

Steranko é um excêntrico na melhor acepção da palavra. O Nick Fury psicodélico dele é meu sonho de consumo - http://www.amazon.com/S-H-I-E-L-D-Jim-Steranko-Complete-Collection/dp/0785185364

Em relação à história do Guardião, tive "sorte". Como li pela 1ª vez na GHM #15 mesmo, não levei nenhum spoiler (embora a capa tenha feito uma brincadeirinha estilo "um desses irá morrer"). Resultado: o primeiro grande choque que tomei lendo uma HQ. Nunca ia imaginar que Byrne mataria o Capitão América canadense no auge da equipe, ainda mais daquela forma tão violenta. Me senti meio mal com aquilo. Pra mim foi um divisor de águas.

Aliás, quando se tratava de Tropa Alfa, Byrne perdia a noção. A morte do Sasquatch na SAM #73 também foi punk: http://4.bp.blogspot.com/-HA0ky235Yzc/VNK7Fm3F2tI/AAAAAAAAMg4/KvmqfxcM2C8/s1600/22.jpg

Tenho ótimas recordações dessa Marvel Especial #1 (e da #2, com a "continuação"). As duas foram jogadas no meu colo pela minha irmã, do nada, durante uma viagem ao Rio. Só de olhar pra essa capa do Watson Portela sorrio igual um imbecil...

doggma disse...

Em tempo... show de bola essa miniatura da cena clássica. Bem como a coleção na paisagem atrás dela. Essa "Liberdade", do Miller, é uma que mora no meu coração...

Luwig Sá disse...

Do Vale, acredito que esse encadernado seja só mais outro que dará continuidade a gestão Jeff Lemire.

Dogg, só no desespero mesmo para ler aqueles scans do Alan.

"É como sair de uma boa rodovia privatizada direto pra uma estrada de chão" → Belo lembrete. Já vi por aí vários críticos da Panini dizendo por aí que a editora privilegia os lançamentos de Grant Morrison, mas marginaliza os de Alan Moore. Enfim, o que eu acho é que não existe no Brasil uma zona cinzenta pior que a de John Byrne, afinal de contas, o que é justifica essa ausência?

https://www.mycomicshop.com/search?q=superman%20john%20byrne&qloc=N&TID=309551

Poderiam publicar no modelo das Lendas de Alan Davis e Jim Aparo, inclusive.

Pois é, eu vi o Mac pegar fogo nessa MS#5 mesmo, mas não me lembro de ter ficado chateado com o Spoiler da capa. Éramos tão carentes disso nessa época que sequer sabíamos o significado do termo. Eheheh...

Quanto ao ME#1, possivelmente encontraria um exemplar numa Estante Virtual da vida por aí, mas a minha edição mesmo: sem preço!

Martha Washington é de um tempo em que Frank Miller falava e você calava para escutar. Saudades do falecido.

doggma disse...

"Poderiam publicar no modelo das Lendas de Alan Davis e Jim Aparo, inclusive"

Puxa vida, quem dera. Seria uma saída pela direita para as MC que ficaram no caminho (a do Thor do Simonson foi a única que vingou inteira?). Não consigo conceber que Quarteto-Byrne, Novos Titãs-Wolfman/Pérez, os Vingadores, etc, não atraíram público suficiente pra gerar continuidade. Deve ter sido problema na (falta de) distribuição, só pode.

Quanto à Sul Americana, assino embaixo. Infelizmente não na parte das 2 caixas adquiridas na promoção...

Nuno disse...

GHM #15 foi meu primeiro grande choque nos quadrinhos (superando até a morte da Fênix) e, até hoje, releio com prazer as primeiras histórias da Tropa Alfa. Assim como as histórias do Quarteto, a Tropa Alfa de Byrne conseguiu envelhecer com dignidade.

Realmente não dá pra entender porque a Panini não deu continuidade à série Grandes Clássicos, pois seria uma ótima oportunidade de apresentar esse material a uma nova geração. Pô, ainda tem o Hulk do Peter David, trocentas histórias dos Vingadores (a Saga de Korvac, o ataque à mansão, a fase de David Michelinie e John Byrne, e por aí vai)... Será que só eu sinto saudades do Ka-Zar da dupla Bruce Jones/Brent Anderson?

Infelizmente não consigo apagar das minhas memórias a existência daquele retorno tosco do Guardião publicado por aqui em Wolverine #46 (1995). Fabian Nicieza deveria ter a decência de vir a público e se desculpar por aquele lixo.

Luwig Sá disse...

Nuno, eu quase trouxe à tona no texto essa ininteligível Wolverine #46, mas aí voltei atrás porque só queria falar de boas recordações.

Quanto ao Quarteto do Byrne, tenho a mesma suspeita de Dogg no lance da distribuição. Quer dizer, duvido bastante que não tenha vendido, visto que foram lançados "quatro" volumes! Se os dois primeiros tivessem sido de fato fiascos, na minha opinião, um volume três e quatro certamente não seriam publicados.

Fato é que alguém lá dentro da Panini curte o Quarteto. Afinal, sempre está saindo materiais da Primeira Família como, por exemplo, a versão Ultimate, aquele arco de Grant Morrison, o Jogados aos Lobos de R. Rudlin, Os Imaginautas do Waid e, agora, se encontra em pré-venda uma Coleção Histórica deles.